quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Invasão de privacidade diminui o medo do desconhecido?



São Paulo, quarta-feira, 06 de dezembro de 2006

CARLOS HEITOR CONY

Tempos modernos

RIO DE JANEIRO - A direção de um colégio mandou instalar câmeras de TV nos banheiros do estabelecimento. O motivo seria o de impedir atos de vandalismo, muito comuns em escolas, aeroportos, cinemas e outros locais públicos. De quebra, amplia a fiscalização do uso de drogas e atos ditos indecorosos.
Ao ler a notícia, lembrei uma das obras-primas de Chaplin, "Tempos Modernos", de 1936, em que o operário estressado na esteira de produção, apertando parafusos, vai ao banheiro para interromper por alguns minutos a vertiginosa loucura da fábrica. Passados alguns segundos, aparece na parede do banheiro, numa tela de TV do tamanho de uma tela de cinema, nada menos do que o gerente, que ordena ao operário a volta imediata ao trabalho.
Chaplin preconizou o "Big Brother" de George Orwell, mostrando que, nos tempos modernos, a privacidade de todos nós seria invadida pela tecnologia e pelos interesses da produção política, cultural, econômica e industrial.
Não apenas nas fábricas e escolas está havendo a invasão da privacidade. Em nome da segurança, lojas, bancos, edifícios de apartamentos estão sendo monitorados pelo olhar eletrônico de câmeras sofisticadas, que, em alguns casos, ajudam a identificar criminosos e suspeitos.
No fundo, é um problema de custo e beneficio. Para termos um pouco mais de segurança e de respeito aos bens públicos, somos obrigados a aceitar a invasão de um pedaço de nossa intimidade.
Em breve, ao nascer, uma criança terá enxertado em seu pequenino corpo um chip que controlará, via satélite, todos os movimentos que ela fizer até o fim de sua vida. E não apenas os movimentos, mas os pensamentos, as dúvidas, os recalques e as intenções. A humanidade será robotizada em nome da eficiência e da segurança. Não há dúvida: vivemos tempos modernos.
fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0612200605.htm

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Marobomba



Folha de São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000
SAÚDE
Conclusão faz parte de estudo que seria o primeiro no Brasil a associar o uso de anabolizantes à dependência psíquica
Anabolizante leva a internação psiquiátrica
KARLA MONTEIRO - DA REPORTAGEM LOCAL

A busca dos músculos esculpidos à base de remédios está levando jovens de aparência saudável aos consultórios psiquiátricos e clínicas de tratamento de viciados em drogas. É o que mostra o estudo "Esteróides anabolizantes: nova droga de abuso?", coordenado pela psiquiatra Magda Waissman, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Universidade Estácio de Sá.
Concluída este ano, a pesquisa analisa o caso de seis jovens -quatro brasileiros e dois norte-americanos- que recorreram a internações em clínicas para se livrarem das "bombas", apelido dos hormônios masculinos produzidos em laboratórios que rendem aos adeptos de exercícios físicos força, velocidade, resistência e muita massa muscular.
Apesar de restrito somente a seis casos, o trabalho, segundo especialistas, tem um mérito incontestável: é o primeiro no Brasil a associar o uso de anabolizantes à dependência psíquica, enquanto os danos físicos provocados por esses remédios já são estudados cientificamente à exaustão.
"Já tratei sete casos de jovens usuários de anabolizantes. Até agora, contamos com a experiência clínica para conectar os distúrbios emocionais desses garotos aos remédios", diz o psiquiatra Jorge Cesar Gomes de Figueiredo, diretor da Clínica Vitória, em SP.
De acordo com ele, um dos seus pacientes tomava altas doses de anabolizantes e perdia em média cinco horas por dia na academia.
"Acho que podemos comparar a dependência de anabolizantes a distúrbios como a anorexia (perda de apetite com causas psíquicas). Essas pessoas não admitem largar os remédios porque acreditam que dependem dele para manter a força física", comentou.
"Eu concordo com este estudo. O uso de anabolizantes é uma questão de saúde pública. Cada vez mais jovens estão ingerindo quantidades absurdas dessas drogas. Eles têm uma dependência psíquica, que os leva a aumentar a dosagem quando percebem que os efeitos físicos não são mais os mesmos", disse o urologista Jorge Hallack, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Ele conta que recebe em seu consultório, em média, um caso por semana de garotos com atrofia testicular ou esterilidade provocada pelo abuso de esteróides. "Não trato da parte psicológica, mas é fácil diagnosticar a dependência. Já tratei garotos de 15 anos com atrofia testicular", declarou.
Há vozes discordantes. O fisiologista Turíbio Barros, do Centro de Medicina Esportiva da Universidade Federal de São Paulo, associa os efeitos psicológicos dos anabolizantes a surtos psicóticos.
"O anabolizante não age direto no sistema nervoso central, como outras drogas de dependência. A combinação de anabolizantes e exercícios físicos gera um quadro de surto psicótico. Certamente usuários contínuos de anabolizantes precisam de acompanhamento psiquiátrico." Nos EUA, já há várias pesquisas sobre os efeitos psicológicos acarretados pelo uso contínuo de anabolizantes.
Em trabalho recente, o NIDA (National Institute on Drug Abuse) concluiu que o abuso desses medicamentos provoca "comportamento violento, às vezes homicida, ataques de fúria e hostilidade, além de fadiga, perda do apetite, insônia e desejo incontrolável de consumir a droga."
A dependência gerada pelos anabolizantes, segundo Magda, é equivalente ao vício em cocaína ou outra droga similar. "Quando usam anabolizantes, a busca é pelas mesmas sensações: prazer, segurança, poder etc.", comparou.
Nos seis casos pesquisados, as consequências do abuso de "bombas" que levaram os jovens ao tratamento psiquiátrico são as mesmas: irritabilidade, acessos de fúria, crises de euforia ou depressão, transtornos de humor, dificuldade de interromper o uso e recaídas após curtos prazos de abstinência. Magda aponta a dismorfia muscular como um dos principais fatores que leva à compulsão por anabolizantes.


Especialistas alertam sobre risco de abuso
DA REPORTAGEM LOCAL

O abuso do uso de esteróides anabolizantes por fisiculturistas não é novidade. No ano passado, a fisiculturista Lúcia Helena de Jesus Gomes morreu aos 33 anos. Causa da morte: hepatite medicamentosa, lesão irremediável no fígado causada por excesso de anabolizantes.
O maior problema atual, segundo especialistas, é a adesão às drogas nas academias convencionais.
"Muitas vezes, o próprio instrutor é quem chega para o aluno e diz que o seu desenvolvimento chegou ao limite. Aí vem a sedução pelos esteróides", explica o fisiologista Turíbio Barros, do Centro de Medicina Esportiva da USP.
Segundo Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física, não há estatísticas sobre o número de usuários de anabolizantes nas academias convencionais. O conselho tem fiscalizado as academias para reduzir o número de instrutores sem formação em curso superior.
"Com a saída dos professores não-formados, temos percebido a redução do consumo de anabolizantes nas academias." Os esteróides anabolizantes, hormônios sintetizados em laboratório, aumentam a capacidade do corpo de absorver proteína, o que acelera o desenvolvimento da musculatura, além de reter líquido, provocando o inchaço dos músculos. Só que o efeito aparente gera sérios danos à saúde física também. Nos homens, provoca atrofia dos testículos, impotência, esterilidade, obstrução da bexiga e câncer de próstata.
Nas mulheres, causa virilização, engrossamento da voz, hipertrofia do clitóris e redução das mamas. Em ambos os sexos, pode resultar em distúrbios hepáticos, câncer de fígado, entre outros problemas.

Estudante de Manaus teme recaída
DA REPORTAGEM LOCAL

O estudante de direito Tabira Ferreira Neto, 26, de Manaus, enfrentou cerca de dois anos de tratamento psiquiátrico para livrar-se dos anabolizantes. Há um ano sem consumir o remédio, ele diz que ainda sente falta e teme uma recaída. Tabira usou esteróides por quase quatro anos. Durante esse período, ganhou muitos músculos, mas interrompeu a universidade, e, durante surtos de cólera, agrediu a mãe e namorada.
Folha - Como você começou a usar anabolizantes? Tabira Ferreira Neto - Entrei para uma academia de musculação aos 16 anos. Um dia cheguei para um dos professores e disse que todo mundo conseguia resultados melhores do que eu com a malhação. Então ele me contou sobre os anabolizantes. A partir daí comecei a usar. Eu pesava 60 kg e rapidamente ganhei 10 kg.
Folha - Então você foi incentivado a tomar o remédio dentro da academia? Neto - Fui. É assim que acontece dentro das academias.
Folha - Onde você conseguia comprá-lo? Neto - É muito fácil. Os próprios professores e alunos da minha academia vendiam. Principalmente os professores. É um tráfico como outro qualquer. Eles viajam para os EUA e trazem para vender aqui.
Folha - É comum o uso de anabolizantes nas academias? Neto - Antes não era muito comum. Hoje muita gente toma anabolizante. Virou uma coisa normal. Realmente a pessoa tem um resultado rápido, mas são músculos falsos. Você pára de tomar e volta ao normal.
Folha - Você tomou anabolizantes por muito tempo? Neto - Acho que por uns 4 anos. As pessoas fazem ciclos. Tomam por um tempo e param por um tempo.
Folha - Quanto você gastava com anabolizantes por mês? Neto - Mais ou menos uns R$ 300.
Folha - Como você se sentia quando estava usando anabolizantes? Neto - Minha auto-estima ia lá em cima. Ficava eufórico com os resultados da malhação. Mas, com o tempo, fui ficando muito agressivo e irritado com tudo. Cheguei a agredir a minha mãe e minha namorada. Não tinha controle sobre mim.
Folha - E quando parava? Como você se sentia? Neto - Muito deprimido. Meu corpo não reagia sem anabolizantes. Eu não tinha vontade de fazer nada. É igual a cocaína. Pira. Eu tranquei a faculdade por um ano porque não conseguia fazer nada. Só pensava em tomar anabolizante e malhar.
Folha - Por que você procurou ajuda psiquiátrica? Neto - Porque os anabolizantes estavam afetando tudo na minha vida, a minha cabeça. Eu não conseguia parar para ler um livro. Quando não estava deprimido, estava irritado, agressivo.
Folha - Você ainda sente vontade de tomar anabolizantes? Neto - Eu sei que não estou livre disso ainda. Qualquer hora posso ter uma recaída. A vida inteira serei um adicto. Hoje faço de tudo para ficar longe. Mudei de academia, faço acupuntura e outras coisas. São alternativas para não voltar.
Folha - Você sente falta? Neto - Sinto.

Rapaz ficou internado duas vezes
DA REPORTAGEM LOCAL

O carioca L.F.G., 23, morador da Ilha do Governador, bairro de classe média do Rio de Janeiro, deixou há duas semanas a clínica Jorge Jarder, especializada no tratamento de viciados em drogas. Foi a segunda internação em um mês -ambas motivadas pelo consumo de anabolizantes.
Ele afirma que o consumo entre jovens no Rio é muito alto. Diz ainda que os "marombeiros" (gíria para os frequentadores de academias de musculação) injetam a droga também em seus cães, geralmente da raça pit bull, para que fiquem mais fortes e agressivos.
Folha - Qual foi a causa da sua última internação? Em setembro, depois de um período de abstinência, voltei a tomar anabolizantes. Em casa, usava roupas largas para que meus pais não percebessem que o meu corpo estava inchando de novo. Saltei de 82 kg para 88 kg em questão de dias. Na rua, colocava camisetas cavadas e procurava brigas. Eu fumava maconha o tempo inteiro para tentar me conter. Fiquei um mês internado.
Folha - Quando você começou a usar anabolizantes? Há três anos, em 1997. Na época, fui largado por uma namorada, e o cara com quem ela estava saindo começou a me ameaçar. Eu pesava 68 quilos. Então pensei em tomar bomba (anabolizante) para intimidá-lo e também para levantar a minha auto-estima, que estava no chão.
Folha - Você conseguiu o resultado que queria? Consegui. Em um mês, eu estava com 82 kg. Sentia-me bem. As pessoas se intimidavam comigo na rua. Não sentia ainda os efeitos colaterais (irritabilidade ou agressividade). Só um pouco de insônia, sudorese e muita fome.
Folha - O que você tomava e onde conseguia? Eu tomava de tudo exageradamente. Nem seguia os ciclos que a maioria das pessoas seguem. Queria resultados rápidos. Os meus amigos diziam que eu estava pegando pesado. Na academia eu comprava de tudo. Se eu fizer uma lista de cabeça lembro uns dez nomes de gente que vende. São sempre pessoas ligadas a academias, professores ou alunos.
Folha - Quando você começou a sentir que não andava muito bem? Acho que na Copa de 1998. Tudo era desculpa para uma briga. Nem eu nem meu terapeuta sabíamos que o meu descontrole vinha do abuso de anabolizantes. Ele (o terapeuta) achava que era um distúrbio mental. Depois do carnaval do ano passado, tive um ataque de fúria e quebrei a minha casa inteira. Os caras da ambulância chegaram para me levar ao hospital e quebrei o nariz de um deles. Fiquei internado dois meses. Foi aí que começaram a relacionar a minha agressividade aos anabolizantes.
Folha - Você é vaidoso? Na sua opinião, o uso de anabolizantes tem a ver com vaidade? No início era insegurança. Não foi vaidade. Depois virei um narcisista. Olhava-me no espelho o tempo todo. Pedia a minha namorada que medisse o meu bíceps várias vezes por dia. Eu nunca achava que estava bom. Estava um monstro e me achava magro ainda.
Folha - Há um incentivo nas academias para o consumo de anabolizantes? É a mesmíssima coisa de um grupo de drogados. Um incentiva o outro. Posso afirmar que muitos dos meus amigos que usam anabolizantes chegam a aplicar a droga nos pit bulls. O cachorro tem a mesma reação do ser humano: fica agressivo. Por isso, ataca as pessoas na rua.
Folha - No Rio, o consumo de anabolizantes é alto? Muito alto. Estou horrorizado com a quantidade de mulheres tomando anabolizantes. Como não é uma droga que você tem que subir o morro para conseguir, os usuários não se sentem drogados. Hoje eu sei que sou um viciado.
Folha - Como você se sente hoje? Continuo me sentindo irritado. Desde que saí da clínica, não me pesei para não entrar na paranóia de malhar e tomar anabolizantes. Estou tomando remédios para controlar o humor e frequentando o grupo de Narcóticos Anônimos.