quinta-feira, 26 de junho de 2008

Breve história da humanidade - desenhada...!





O homem flexível

Robert Kurz critica o sociólogo alemão Ulrich Beck e a flexibilização do trabalho

Há muito não é mais segredo que o mundo altamente industrializado ou mesmo "pós-industrial" do Ocidente assume cada vez mais traços do chamado Terceiro Mundo. Não foram os países da periferia capitalista que se acercaram do nível social das democracias ocidentais do "Welfare State", mas justamente o contrário, a depravação social nos antigos centros capitalistas dissemina-se como um vírus. Porém não se trata somente do progressivo desmantelamento dos sistemas de previdência social, não se trata somente do aumento do desemprego estrutural de massas.
Além disso, entre o emprego formal e o desemprego também cresce um setor difuso, que já é velho conhecido dos países do Terceiro Mundo e que, nas sociedades marcadas pelo "apartheid" social de uma minoria que toma parte no mercado globalizado, ganhou o rótulo de "economia informal" dos excluídos, os quais vegetam abaixo do nível de miséria. Os camelôs nas calçadas, os garotos que limpam pára-brisas nos cruzamentos, a prostituição infantil ou o sistema semilegal de reaproveitamento de sucata e lixo compõem essa categoria.
Em menores proporções, esses fenômenos também passaram a integrar o dia-a-dia do mundo ocidental, sendo mais evidentes nos países anglo-saxões, com o seu radical liberalismo econômico de matiz clássico. Mas ainda se acham em gestação novas formas híbridas entre o emprego formal e as relações de trabalho precárias.
Como há 20 anos o nível do salário real diminui de forma contínua (com particular virulência nos Estados Unidos), a renda do salário oficial não basta mais para financiar um padrão de vida "normal" com moradia, carro e seguro de saúde. É preciso, assim, buscar relações de emprego suplementares. Dois ou três empregos por pessoa são quase a regra. O operário de uma fábrica, após o expediente, dá um pulo em casa para um rápido jantar e em seguida entra de serviço como vigilante noturno em outra empresa; de sono restam só poucas horas. No fim-de-semana ele trabalha ainda de garçom num restaurante sem salário fixo, contando apenas com as gorjetas. Com esforço sempre maior e à custa da ruína de sua saúde, mantém-se a fachada da normalidade.
Outro fato que multiplica essa nova espécie de biografia do rendimento incerto é serem as pessoas obrigadas, em número cada vez maior, a trabalhar abaixo de sua qualificação. Para as atividades que efetivamente exercem, elas são "superqualificadas", sua proficiência não é mais absorvida pelo mercado. Desde o início dos anos 80, com o advento da revolução microeletrônica e com a crescente crise das finanças estatais, uma formação acadêmica não é mais garantia de um posto de trabalho correspondente. Muitos cargos qualificados no âmbito estatal foram extintos, por falta de financiamento. No mercado livre, por outro lado, as qualificações caducam com uma rapidez vertiginosa e, como "fogo de palha" que são, logo perdem seu valor. O ciclo acelerado das conjunturas, das inovações, dos produtos e da moda abarca não somente a esfera técnica, mas também a cultura, as ciências humanas e a prestação de serviços.
Nesse processo social, uma parte crescente da intelectualidade acadêmica foi degradada. O "eterno estudante", o estudante de matrícula trancada que tira seu sustento fazendo bicos em atividades menores, a estudante de literatura inglesa aos 30 anos desempregada, com seu inútil diploma de doutora, esses casos não são mais raridade. Em todo o mundo ocidental, o taxista graduado em filosofia tornou-se o emblema de uma carreira social negativa. Formou-se um novo círculo, bem mais abrangente do que a antiga boêmia. Historiadores diplomados trabalham em fábricas de pão de mel, professoras desempregadas tentam a vida como "babysitter", juristas supérfluos vendem produtos culturais indianos.
Muitas pessoas com passado intelectual arrastam-se vida afora, com seus 30, 40 anos de idade, em projetos intelectuais difusos, semi-estudantis, e flutuam em suas atividades entre o emprego de entregador de mercadorias, o jornalismo de ocasião e experiências artísticas improdutivas. A questão profissional gera um progressivo embaraço. Já em 1985, dois jovens autores alemães, Georg Heizen e Uwe Koch, publicaram um romance "cult", cujo herói assim descreve esse novo sentimento de precariedade: "Não sou pai, nem marido, nem membro do Automóvel Clube. Não sou pessoa de mando nem autoridade, não disponho de conta bancária. Sou versado em assuntos intelectuais, dos quais hoje se faz cada vez menos uso. Estou excluído da circulação das ofertas".
Se talvez dez ou 15 anos atrás essa forma de existência equívoca ainda soava algo exótica, hoje ela se transformou em fenômeno de massas. O sociólogo alemão Ulrich Beck apurou que "o sistema padronizado de emprego começa a esmorecer". As fronteiras entre emprego e desemprego tornam-se lábeis. As palavras de ordem do novo sistema de emprego, um sistema disperso e confuso, são "flexibilização" e "subemprego múltiplo". Há muito não se encontra mais apenas uma inteligência acadêmica, excluída e supérflua, nesses meios de emprego flexibilizado. Antigos carpinteiros, cozinheiras, desenhistas técnicos, cabeleireiros, costureiras ou enfermeiros também se transformaram em subempregados de função múltipla e sem emprego fixo.
Todos fazem algo diverso daquilo que estudaram. Qualificações, profissões, carreiras, currículos e status social precisos e inequívocos fazem parte do passado. Isso é mais do que a simples oscilação constante entre emprego remunerado e desemprego, como hoje é natural para vários milhões de pessoas nos Estados industrializados do Ocidente. Trata-se também da permanente alternância entre qualificações, atividades e funções já conhecidas, uma espécie de vaivém entre os ramos sociais do trabalho, que se modificam com rapidez cada dia maior sob a pressão dos mercados.
Ainda havia esperanças, nos anos 80, de que a nova tendência de flexibilização das relações de trabalho talvez pudesse ser dobrada para fins emancipatórios, permitindo que não se seguissem mais padrões esclerosados, que se descobrissem, apesar das pressões sociais, novas possibilidades e novos modos de vida. O indivíduo flexível deveria ser o protótipo daquele que não se submete mais incondicionalmente às injunções do trabalho e do mercado, daquele que, por conquistar um tempo livre para a ação independente e autônoma, é capaz de definir livremente seus objetivos. Falava-se de "pioneiros do tempo", que ganhariam a "soberania do tempo" para usá-lo em benefício próprio, criando formas de vida alternativas à polarização mecânica entre o "trabalho" imposto por outrem e o "lazer" orientado para o consumo.


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Muitas pessoas com passado intelectual arrastam-se vida afora em projetos intelectuais difusos e atividades como o jornalismo de ocasião e experiências artísticas improdutivas

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Tais idéias lembram um pouco os escritos de juventude de Karl Marx, que, numa passagem famosa, previu para o futuro comunista o fim da opressiva divisão do trabalho: "A divisão do trabalho nos oferece o exemplo de que, enquanto existir a cisão entre o interesse particular e o comum, a própria ação do homem torna-se para ele um poder alheio e adverso, que o subjuga. É que, tão logo o trabalho começa a ser dividido, cada um tem um determinado círculo exclusivo de atividades, do qual não pode sair, ao passo que, no comunismo, a sociedade regula a produção geral e justamente por isso permite-me fazer hoje isso, amanhã aquilo, de manhã caçar, à tarde pescar, à noite pastorear o gado, depois do jantar fazer crítica, com bem me aprouver, sem jamais ter de tornar-me caçador, pescador, pastor ou crítico".
A velha imagem romântica do jovem Marx, completando exatos 150 anos de existência, infelizmente não tem mais nada a ver com a nossa nova realidade flexibilizada. Afinal não vivemos mais numa sociedade com veleidades comunistas, que, para além do capitalismo burocrático de Estado, hoje em franco declínio, partiria em busca de novos horizontes de emancipação social.
Otimistas da flexibilização como Ulrich Beck ou o filósofo social francês André Gorz tomaram o bonde errado, pois quiseram desenvolver os potenciais de uma nova "soberania do tempo" individual em coexistência pacífica com o modo de produção capitalista. Depois de toda a crítica radical da ordem reinante ter sido abandonada, não existia mais nenhuma possibilidade de utilizar a tendência social imanente para fins emancipatórios. Em razão disso, a luta para dar à flexibilização contornos sociais já estava decidida antes mesmo de começar.
As idéias esperançosas de uma suposta determinação autônoma do fluxo temporal em nichos sociais referiam-se, em todo caso, apenas a certas formas de trabalho de jornada parcial, que além do mais, segundo a teoria de Gorz, deveriam ser patrocinadas socialmente pelo Estado, para afiançar uma segura "receita básica" na forma de moeda e possibilitar com isso as atividades paralelas, estas sim de livre escolha.
Essa teoria, bem intencionada mas banguela, sempre fez pouco da realidade das pessoas que, sob a pressão do crescente dumping social, são forçadas a trabalhar em dois ou três empregos quase 24 horas por dia. Como hoje, a exemplo de antes, ainda existe aquela "cisão entre o interesse particular e o comum" -leia-se: concorrência cega nos mercados anônimos, que teóricos como Beck e Gorz não põem mais em questão-, o potencial da produtividade incrementada também não pode mais ser utilizado em proveito da "soberania do tempo" dos indivíduos. Em vez disso, o capitalismo neoliberal desembestado impôs ditatorialmente a flexibilização, viabilizando de forma exclusiva sua filosofia econômica da redução de custos a todo preço.
Suprimem-se as jornadas de trabalho padronizadas, mas não no interesse dos trabalhadores. Amplia-se o "trabalho à disposição", conforme o volume das encomendas e em turnos variáveis. Exige-se também maior mobilidade espacial da força de trabalho, em prejuízo de seus próprios interesses vitais. Há tempos, centenas de milhões de pessoas são forçadas a migrar para outros países e continentes em busca de trabalho. Latinos saem à cata de emprego nos Estados Unidos, asiáticos, nos emirados do Golfo, europeus do sul e do leste, na Europa central.
Na China e no Brasil há enormes migrações internas. Sob o ditado da globalização, reforçou-se essa tendência à mobilidade espacial da força de trabalho, atingindo até mesmo os centros ocidentais. Na Alemanha, por exemplo, as delegacias de trabalho podem exigir de um desempregado que aceite um emprego a 100 km de sua residência e "visite" sua família só nos fins-de-semana. No interesse de sua carreira, empregados laboriosos vêem-se cada vez com mais frequência na obrigação de trocar de cidade, de país ou de continente em que prestam seus serviços. As pessoas transformam-se em nômades do mercado, incapazes de criar raiz social.
Da flexibilização também faz parte a constante alternância entre empregos subordinados e "autônomos". As fronteiras entre o trabalho assalariado e a livre iniciativa perdem a nitidez, mas isso também em detrimento dos trabalhadores. Na esteira do "outsourcing" surgem cada vez mais pseudo-autônomos sem organização empresarial própria, sem capital próprio, sem colaboradores e sem a célebre "liberdade empresarial", já que dependem de um único cliente a maioria da vezes sua antiga empresa, que desse modo poupa a contribuição previdenciária e, em lugar do piso salarial, paga somente os "honorários" daquilo que foi estritamente produzido, o que é sempre muito menos do que o antigo salário.
Flexibilização, em obediência ao mandamento de transferir o risco aos empregados autônomos e delegar a responsabilidade aos mais fracos, significa: mais produção e mais estresse por menos dinheiro. O liame empresarial se esgarça e os chamados colegas de emprego cindem-se em dois, de um lado os de carteira assinada, espécie em extinção cujos direitos trabalhistas são paulatinamente reduzidos ou cortados de todo, e de outro os colaboradores que convivem na precariedade, chamados por exemplo de "free-lancers" ou "portfolio-workers".
Entre os primeiros, por sua vez, cindem-se as repartições em "profit-centers" concorrentes. A cultura da empresa integrada faz parte do passado. Tomando como exemplo o multicartel da IBM, o historiador social americano Richard Sennet, em seu livro "O Homem Flexível" (1998), mostrou essa lógica da infidelidade: "Durante os anos de reestruturação, ao enxugar os gastos, a IBM não dava mais confiança a seus empregados. Foi-lhes comunicado, aos que restaram, que eles não eram mais os filhos da grande empresa".
Os indivíduos flexibilizados pelo capitalismo não são pessoas conscientes e universais, mas pessoas universalmente exploradas e solitárias. A nova responsabilidade pelo risco não é algo instigante, se não aterrador, pois o que se arrisca é a própria vida. A desconfiança generalizada corre mundo. Do clima de máfia e paranóia nasce uma cultura empresarial taciturna. Pessoas sem assistência e espoliadas ficam doentes e perdem a motivação. E tornam-se cada vez mais superficiais, dispersas e incompetentes. Isso porque a verdadeira qualificação exige tempo, tempo de que o mercado não dispõe mais. Quanto mais rapidamente mudam as exigências, mais irreal torna-se a qualificação, mais o aprendizado transforma-se num puro consumo de conhecimentos, num mero ossuário de dados. A qualidade fica para as calendas. Afinal, quando sei que tudo o que aprendo à custa de esforço perderá valor no momento seguinte, o fôlego de minha atenção será obviamente mais curto, e isso na exata proporção de meu desalento.
Mas empregados manhosos e sem coesão social, que só sabem lograr seus superiores, os clientes e seus demais colegas, tornam-se também contraproducentes para a empresa. Com a total flexibilização o capitalismo não soluciona sua crise, antes a conduz ao absurdo e demonstra que só é capaz de suscitar forças autodestrutivas.


Publicado na Folha de São Paulo com o título "Descartável e degradado" em 1999

Tradução de José Marcos Macedo

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A aprovação da sociologia e da filosofia no Ensino Médio é doutrinação barata ou Consciência crítica de fato?


Folha de São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

NELSON ASCHER

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Como controlamos a lei, nós a usaremos para impor nossos dogmas aos adolescentes
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DISCUTÍAMOS DOSTOIÉVSKI . Ocorreu-me mencionar um personagem aparentemente secundário, mas de fato importante, de "Crime e Castigo" cuja trajetória no romance me parecia uma de suas melhores criações ficcionais. Lembrava seu papel, como aparecera na trama, o que fizera, que fim levara. Só que, na hora de dizer-lhe o nome, ele não me vinha à mente. Por nada neste mundo. Ninguém mais o recordava e, para piorar a situação, estávamos todos passando férias (pela última vez na minha vida, juro) num lugar remoto, sem bibliotecas nem telefones.
Forcei a memória, arrolando nomes em ordem alfabética. Nada. Evoquei na imaginação cada episódio relevante do romance e até cenas de um filme russo sobre ele cujos atores tinham os mais adequados "physiques du rôle" possíveis (o sujeito era um russo maciço, corpulento sem ser gordo, de meia-idade e da alta classe média), igualmente sem resultado.
Reconstruí na cabeça os lugares e horas em que li o livro, o que havia ao redor, como me sentia, o que conversei com amigos a respeito. Ainda assim, demorou dois dias para que, de súbito, seu nome me viesse como que por milagre: Svidrigailov.
Li "Crime e Castigo" no verão entre o fim do segundo colegial (segundo ano do segundo grau) e o começo do terceiro. É claro que o escritor russo me marcou profundamente e guardo recordações vívidas de seus livros bem como dos contextos de minhas leituras. Essa era, no entanto, uma época na qual minha memória funcionava bem e as lembranças que ficaram estendem-se não apenas a outras obras, como também a outras áreas.
Eu cursava então um dos melhores colégios de São Paulo. O ano seguinte era o do vestibular e pelo menos metade de minha classe entrou numa das três melhores escolas de medicina, enquanto os demais ingressaram em bons cursos de odontologia, biologia, administração etc. Se isso não depõe necessariamente a favor de nossa inteligência, decerto prova que a escola sabia maximizar nossa capacidade de memorizar as informações necessárias para atingirmos as metas propostas.
Mesmo assim, do grosso do que aprendi lá, não resta nenhum vestígio em meus neurônios. E me refiro não a disciplinas vagas, dependentes de interpretação, mas às rigorosas e/ou factuais: trigonometria e geometria analítica, ótica e química orgânica.
O que aconteceu? Meu cérebro deve tê-las guardado num arquivo provisório. Tão logo sua utilidade terminou, os arquivos, ao contrário daquele que continha "Crime e Castigo" (se bem que com a falha, que tive de reparar, no caso Svidrigailov) , foram "deletados".
Por sorte não estudávamos literatura estrangeira, senão Dostoiévski teria provavelmente tido o mesmo destino. Caso tivéssemos, como se tornou há pouco obrigatório para o ensino médio, cursos de filosofia e sociologia, o que sucederia com suas lições?
Cada qual de nós preserva em si aquilo que o atrai, emociona, interessa. Professores e pais podem nos obrigar a decorarmos tais ou quais informações por razões pragmáticas. Estas, porém, literalmente não "colam", ou seja, não se aderem a nada no interior de nossa consciência ou do nosso subconsciente (se é que isso existe). Respostas que antecedam as perguntas são piores que inúteis, pois elas acabam ocupando um lugar que, tornado ermo, não enseja mais que brotem naturalmente certas indagações.
Para que, num país que mal ensina (e ensina mal) coisas fundamentais como matemática, escrita e leitura, acrescentar essa sobrecarga que, além de inútil e irrelevante, nem as escolas privadas e muito menos as públicas terão condições de ensinar decentemente? Onde é que vão se recrutar bons professores de filosofia e sociologia?
Naturalmente essa disciplinas não serão minimamente bem ensinadas e todo mundo sabe disso. Não há quadros, não há tempo, não há verbas e, sobretudo, não há nem haverá interesse algum por parte das vítimas potenciais, os alunos.
A resposta se torna evidente quando ouvimos autoridades e os interessados confessando, sem querer, seu objetivo real. Eles falam em encorajar a visão ou pensamento crítico. Essa expressão nojenta oculta, ou melhor, revela o ápice da arrogância: nossa maneira de pensar, que chamamos mentirosamente de "crítica", é a certa, a única certa.
Como hoje controlamos a lei, nós a usaremos para impor nossos dogmas aos adolescentes, impedindo-os de pensarem por conta própria. Para que perder tempo com tentativa e erro se já temos todas as respostas? Enfim, sociologia e filosofia no ensino médio são apenas eufemismos. Seu nome verdadeiro é doutrinação barata.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Discriminação é crime!


Há poucos anos, um jornal norte americano acusava o guerrilheiro zapatista chamado de Subcomandante Marcos de ter trabalhado num bar gay em San Francisco.
Ele respondeu : Marcos é gay em San Francisco, negro da África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista em Espanha, palestiniano em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal, rocker na cidade universitária, judeu na Alemanha, feminista nos partidos políticos, comunista no pòs guerra fria, pacifista na Bósnia, artista sem galeria e sem portfolio, dona de casa num sábado à tarde, jornalista nas páginas interiores do jornal, mulher no metropolitano depois das 22h, camponês sem terra, editor marginal, operário sem trabalho, médico sem consultório, escritor sem livros e sem leitores e, sobretudo, zapatista no Sudoeste do México...

LEIA OUTRAS REFERÊNCIAS:
http://www.planetaportoalegre.net/publique/cgi/public/cgilua.exe/web/templates/htm/1P4OP/view.htm?user=reader&infoid=11547&editionsectionid=243

Se há uma novidade no Fórum Social Mundial é essa outra esquerda: os ativistas, militantes, rebeldes, fora dos partidos, fora das intituições, fora do centro. "Desobedientes" de todo o mundo, nome do movimento italiano que incendeia as ruas, pregando a desobediência e a “sabotagem” social. Uma militância que não precisa de centro, porque trabalha em redes, não precisa definir o que é "de direita" e "de esquerda", porque para eles só existe "o lado de dentro".
Também não possuem nenhum modelo pronto para oferecer. O Fórum é apenas um dos laboratórios mundiais dessa nova política. Uma militância que quer fazer da resistência um ato de criação, um contrapoder. Para enfrentar um poder sem fronteiras nem limites, mutante, é preciso ser igualmente fluido e plástico. Criar novos ícones e ser pop. Conectar a gente das ruas com hackers, nômades, rebeldes. Criar curto-circuito nas velhas representações políticas.

Guerrilha simbólica
Uma fala inquietante: Frederic Jameson, o teórico marxista que pensa a pós-modernidade. Falou no Armazém do Cais, num calor amenizado por borrifadas de ar gelado saindo de bicos de gás, uma nuvem de ar condicionado que se desfazia em brumas. Jameson traçou uma linha de horrores e ceticismo diante da história, mas foi ao ponto ao falar da necessidade de uma “renovação simbólica”: “Temos que examinar profundamente por que o conhecimento das atrocidades do capitalismo não nos levam mais à ação. As lutas políticas, portanto, não devem mais ter como meta a conscientização das pessoas porque isso já provou ser insuficiente para fomentar a ação política”.


Trata-se agora de uma guerrilha simbólica, que restitua certo impacto emocional, sensorial. É a questão que une Jameson, os disobbedienti, os zapatistas, os ativistas.

A marcha e a multidão
Como criar um movimento de desobediência civil de massa? O Fórum, na trilha do movimento dos movimentos (Marcha Zapatista, Seattle, Gênova, Davos, Florença...) é uma resposta. No primeiro dia, a marcha de abertura foi uma imensa mobilização contra a militarização e a guerra. A experiência da multidão heterogênea é forte: comissões, coletivos, indivíduos, etnias diversas, nacionalidades, singularidades.
Indios mexicanos e peruanos, ativistas bolivianos, brasileiros, afros, campesinos, capoeiristas, gays, a esquerda tradicional, o PSTU trotskista (fazendo muito barulho, com velhos slogans), a Juventude Petista, o PT Jovem, a Sinistra Giuvenile, o MST, os partidos comunistas do mundo interiro, os Tambores pela Paz, o Candombe argentino, o Psicodrama das Cidades, a capoeira, o EZLN, a comissão dos “disobbedienti” italianos, palestinos e israelenses, ativistas japoneses, espanhóis, americanos, “piqueteros”, movimento negro, ecologistas, zapatistas, Movimento Popular das Favelas, Amigos da Terra, o movimento anarquista, a Economia Solidária, peruanas feministas defendendo a luta armada, ONGs, a luta antimanicomial, os pró-legalização das drogas, o movimento anarquista, os ativistas das rádios livres, da democratização da comunicação, do ATTAC, da mídia independente, as organizações de mulheres, jornalistas, juristas, artistas, curiosos, o povo de Porto Alegre, a multidão.
Leia mais: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2368,1.shl

leia mais em: http://novoperiscopio.blogspot.com/

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O esporte precoce tem limites?


Olá pessoal, acredito que essa reportagem abaixo pode servir para pensar um pouco e quem sabe discutir sobre o papel que esporte ocupa na vida das crianças, principalmente quando elas são envolvidas em jogatinas. Há inúmeros sites que informam os detalhes dessas lutas em que os adultos pagam mais de R$ 100,00 para assisti-las trocar sopapos ao vivo e para apostar dinheiro.

Assistam e leiam, depois comentem a respeito.
Abraços, Márcio

Início da reportagem: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/04/080421_boxecriancas_np.shtml



Aqui estão dois links de discussão sobre o tema:

http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=1&contentID=23520&channel=45

http://mediacenter.clicrbs.com.br/templates/player.aspx?uf=1&contentID=23451&channel=45

Texto e Vídeo do Fantástico: http://br.youtube.com/watch?v=UmxKmfbNROQ

Muay Thai: incentivo ao esporte ou à violência?

A mania começou na Ásia, tomou conta da Europa e agora está chegando ao Brasil: crianças, algumas de até cinco anos, estão lutando boxe! Mas será que elas podem praticar um esporte tão perigoso? E mais: quais os riscos para a saúde e para a formação desses meninos?

Socos, cotoveladas, joelhadas, chutes em toda parte do corpo. Inclusive na cara. Só não é permitido mesmo mordidas e cabeçadas. Esses são os golpes do Muay Thai, o boxe tailandês, um esporte violento, mas que vem crescendo em vários países do mundo, inclusive no Brasil. E em uma categoria que nem existe oficialmente, mas que podemos chamar de fraldinhas. São crianças de 6 a 12 anos de idade.

“Hoje, o Muay Thai é um esporte milionário. Pessoas ganham bolsas de US$ 1 bilhão no Muay Thai. Então, com isso, cria um sonho das crianças "ah, eu queria ser aquele lutador" e é normal. Como no futebol, não é?”, comenta Artur Mariano, treinador de boxe tailandês.

Rafael tem seis anos. Henrique tem 7 anos e Pacheco e Nicloas têm 8 anos.

Um documentário inglês apresenta os gêmeos Miah e Kian, de 5 anos, os garotos Connor e Sohan, de 9 anos e Thai, de 10 anos. Eles já estão literalmente na luta, em busca desse sonho.

O boxe tailandês virou febre entre a garotada na Europa. Só na Inglaterra, já são mais de 500 academias ensinando a luta para as crianças. Thai Barlow ganhou seis campeonatos nacionais. Ele tem apenas 10 anos e já nocauteou dois adversários da mesma idade. O seu preparo físico é pesado.

“Às vezes eu quero descansar, mas meus pais dizem: ‘tem que treinar mais, aprender mais’", conta Thai.

“Ele vai lutar contra os melhores da Europa, então ele tem que treinar muito”, alega o pai.

No Brasil, nós não temos crianças sendo preparadas para competições como acontece lá fora. Mas nem por isso os treinamentos nas academias deixam de ser intensos.

Nicolas, Pacheco, Rafael e Henrique fazem de duas a três aulas de 50 minutos por semana. Tudo começa com uma pequena corrida e alguns polichinelos para aquecer. Depois vem a simulação de golpes no ar. Sacos de pancada para trabalhar a força, almofadas para melhorar a coordenação e o "sparring" – a luta é pra valer.

“É melhor eles brigarem, ou melhor, brincarem aqui, do que sair na rua brigando também. Eles estão fazendo esporte aqui e tão desolando todas as tensões dentro de um ringue, dentro duma academia”, justifica Emerson Debon, pai de Nicolas.

Mas, com oito anos?

“Com oito anos. Desde pequenos lês são nervosos e já têm ansiedade. Então, acho que é bem saudável isso para ele”, complementa ele.

Os médicos não concordam.

“O boxe é enquadrado pela Academia Americana de Ortopedia e pela Academia Americana de Pediatria como sendo um esporte de colisão, um esporte de contato. E também é um esporte onde existe uma necessidade de preparação física muito grande. Ou seja, as crianças até os 10, 12 anos de idade não têm ainda aptidões físicas e neuro-musculares de praticar tal esporte. A criança quando leva um soco na cabeça, ela pode gerar uma alteração no funcionamento do cérebro. Estudos mostram que o uso do capacete protege os adultos, mas não as crianças”, alerta João Alves Grangeiro Neto, médico ortopedista do Comitê Olímpico Brasileiro.

“Essas crianças podem ter dificuldade no aprendizado, podem ter dificuldade em memorização e podem, sem dúvida alguma, deixar essas crianças pré-disponíveis a uma lesão mais grave”, complementa João Alves.

“Machuca, mas é pouco. A gente tem luva, tem caneleira, tem o capacete de cabeça, tem o protetor bucal. Com isso, eles não se machucam. Não tem como”, defende. “O pai e a mãe dele estão aqui. O Henrique, por exemplo, já voltou para casa machucado alguma vez?”, discorda o mestre Arthur.

Durante o treino, Rafael pára e parece estar chorando. O pai tira o capacete do filho, que está chorando. Minutos depois, a joelhada do Henrique machuca boca do Rafael, que também começa a chorar.

“Com a presença da televisão, eles ficaram excitados, querem fazer bonito. Foi a primeira vez que ele chorou aqui. Nunca tinha visto. Você vê”, justifica mestre Arthur.

A Federação Internacional de Boxe Tailandês só aceita maiores de 14 anos em suas competições. Mas isso não impede que as academias espalhadas pelo mundo criem campeonatos com suas próprias regras.

Na Tailândia por exemplo, as crianças lutam sem os equipamentos de segurança. Até sem capacete. E pior: com apostas em dinheiro.

Já nos Campeonatos Europeus, os equipamentos de segurança são obrigatórios. E em vários campeonatos, socos na cabeça são proibidos.

No Brasil, a competição entre menores de 14 anos é proibida. Mas no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, crianças abaixo desse limite de idade já se enfrentam nos ringues em eventos onde tudo lembra uma competição. Mas que os organizadores fazem questão de frisar que se trata apenas de uma apresentação.

O clima nas arquibancadas é de competição. E o nervosismo das crianças também. Qual será a sensação para essas crianças quando o momento da apresentação se aproxima?

“Assim, no meu corpo todo, parece um choque, pois tenho medo de perder”, justifica Antônio Pacheco.

Até mesmo o organizador do evento se confunde ao tentar explicar, a diferença entre competição e apresentação.

“Abaixo de 14 anos não tem uma legislação em nível mundial. Porém, aqui no Brasil, estamos fazendo a nível de incentivo. As crianças participam de competições por experiência e ambas conquistam o primeiro lugar”, diz Carlos Camacho, supervisor técnico da Federação Brasileira Muay Thai Tradicional.

“Então já existe no Brasil competição com crianças abaixo de 13 anos?”, pergunta Renata Ceribelli.

“Estamos começando neste primeiro evento aqui no Rio Grande do Sul”.

“Eu achei que fosse só uma apresentação. É uma competição?”, questiona Renata.

“Não, é uma apresentação, uma luta de exibição. Não é uma luta de competição”, tenta explicar o organizador.

“Para você é como se fosse uma competição?”, indaga Renata para uma criança.

“Sim, porque não deixa de ser uma luta”, responde uma criança.

Mas, afinal, que diferença faz para as crianças?

“A aula é uma coisa, a competição, o circo romano é outra. Emocionalmente, você brincar de boxe é uma coisa. Você pode ter conseqüências muito nocivas, pois a criança vai se sentir extremamente pressionada. Isso traduz, na verdade, uma questão do pai, uma frustração que ele não resolveu e está passando para a criança”, alerta Maria Inês Bittencourt, psicóloga da PUC do Rio de Janeiro.

Parece ser o caso da inglesinha Miah. Com apenas 5 anos, ela sempre chora, antes de entrar no ringue. Muitas vezes os pais pressionam e parecem nem perceber.

“Às vezes eu erro e troco os golpes. E o meu pai fala faz direito assim, assim, assim. Se eu não fizer, ele me dá uma tunda”, conta a criança.

O pai interrompe: “Pára de falar isso aí. Todo pai quer ver o quê? O filho ser o melhor, né? Na realidade, o pai sempre quer o filho campeão”.

O Luiz é professor de boxe e o filho, André, tem três anos.

“Eu já estou preparando o meu filho para ser um lutador, já estou familiarizando ele. Mas, ao mesmo tempo, dá um dó no coração. Como lutador é uma coisa, mas meu filho fica um pouquinho difícil. Estou com dois corações”, confessa Luiz Fernando Costa, professor de boxe tailandês.